ESPECULAÇÕES EM TORNO DA PALAVRA 'HOMEM'
Carlos Drummond de Andrade, um dos maiores poetas brasileiros, faz do cotidiano sua fonte de reflexão. Seus questionamentos denunciam as inúmeras contradições do homem, e ao mesmo tempo, apontam para a imensidão de suas possibilidades.
Mas que coisa é homem,
que há sob o nome:
uma geografia?
que há sob o nome:
uma geografia?
um ser metafísico?
uma fábula sem
signo que a desmonte?
uma fábula sem
signo que a desmonte?
Como pode o homem
sentir-se a si mesmo,
quando o mundo some?
sentir-se a si mesmo,
quando o mundo some?
Como vai o homem
junto de outro homem,
sem perder o nome?
junto de outro homem,
sem perder o nome?
E não perde o nome
e o sal que ele come
nada lhe acrescenta
e o sal que ele come
nada lhe acrescenta
nem lhe subtrai
da doação do pai?
Como se faz um homem?
da doação do pai?
Como se faz um homem?
Apenas deitar,
copular, à espera
de que do abdômen
copular, à espera
de que do abdômen
brote a flor do homem?
Como se fazer
a si mesmo, antes
Como se fazer
a si mesmo, antes
de fazer o homem?
Fabricar o pai
e o pai e outro pai
Fabricar o pai
e o pai e outro pai
e um pai mais remoto
que o primeiro homem?
Quanto vale o homem?
que o primeiro homem?
Quanto vale o homem?
...........................
Há alma no homem?
E quem pôs na alma
algo que a destrói?
E quem pôs na alma
algo que a destrói?
Como sabe o homem
o que é sua alma
e o que é alma anônima?
o que é sua alma
e o que é alma anônima?
Para que serve o homem?
para estrumar flores,
para tecer contos?
para estrumar flores,
para tecer contos?
Para servir o homem?
Para criar Deus?
Sabe Deus do homem?
Para criar Deus?
Sabe Deus do homem?
E sabe o demônio?
Como quer o homem
ser destino, fonte?
Como quer o homem
ser destino, fonte?
Que milagre é o homem?
Que sonho, que sombra?
Mas existe o homem?
Que sonho, que sombra?
Mas existe o homem?
Andrade, C. Drummond de. Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1988. p. 276-8
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